Na paragem, as pessoas e os seus cansaços empenham-se na contagem impaciente. O painel digital anuncia o último minuto de espera pelo descarrilado há pelo menos vinte.
O pôr-do-sol chegou primeiro... Há algo nos descarrilados que distorce o tempo e o estende infinitamente.
O espaço é inevitavelmente afectado!
A lotação teórica permitida é praticamente espezinhada, prensada com a soma de ligeiros empurrões cínicos com origem na frente, causando sérias repercussões nas traseiras.
Paguei o bilhete, guardei-o no bolso e deixei-me levar pela corrente. Há calor, falta de ar e uma mistura espontânea de aromas humanos fora da validade percorre-me as narinas ao som dos auriculares da passageira que se encontra nas minhas costas.
Aquilo finalmente parou! Estiquei o braço direito, o pé esquerdo levantou cinco centímetros e agarrei-me ao varão gorduroso vertical metalizado. Os cabelos cinzentos e encaracolados de uma passageira anciã faziam-me cócegas no antebraço e a fome começava a apertar.
Dlim-dlim-dlim-dlim!
A luz vermelha intermitente do STOP despoletou movimentações provenientes dos mais diversos pontos do descarrilado. Parou, as portas abriram-se e um grupo de pessoas entrou pela porta de saída, evitando toda a fila para entrar na devida, e percorreram todo o corredor contra a corrente para passar o cartão na máquina.
Bip! Bip! Bip! Bip!
Baixei o pé, abandonei o descarrilado, enchi os pulmões de ar e fiz o resto do caminho a pé...
4 comentários:
Caso não te tenhas apercebido do facto de eu ter tecido um comentário face ao teu post sobre o "nosso" bairro (já agora, se vires este dá uma espreitadela ao outro), para que não sobrem dúvidas de que efectivamente passei a ser consultora assídua de tuas palavras, aqui fica mais um poema com o qual deveras me identifico... Não sei se te lembras, mas naquela noite, quando dissertávamos sobre poesia, partilhei contigo a minha convicção de que está tudo inventado... Nada do que brote da nossa ontologia individual terá um cunho, ainda que por nós, só por nós, impresso, verdadeiramente original a transpirar dos poros da sua essência... Antes de nós, já alguém cogitou, já alguém sentiu, já alguém escreveu, já alguém disse... Não é que encerre em mim a pretensão de mergulhar em empreitadas cognitivas únicas e últimas, todavia, reduzindo-me à minha insignificância humana, penso não ter nada de novo a acrescentar... Incrível como há similitude, sem concomitância... Décadas que nos apartam, hiatos geracionais, e já ele dizia, escrevia e sentia CANSAÇO...
O QUE HÁ EM MIM É SOBRETUDO CANSAÇO
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas.
Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço, Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo, Cansaço...
Álvaro de Campos
Lembro-me sim boy! :) Gosto bastante! Um supremíssimo obrigado pela tua visita e assiduidade! Íssimo, Íssimo, Íssimo, Obrigado!
Como te percebo caro amigo. O Cansaço do metro e dos autocarros chupam me a energias vital todos os dias, e sempre que saiu de um desses transportes sinto me como se tivesse levado uma carga de porrada das antigas!
efeitos da carris
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