sexta-feira, 9 de maio de 2008

Café pingado na esplanada

Houve um dia em que uma mosca de asas azuis pousou na minha orelha direita. Fiquei perplexo! Como poderia ela sobreviver à exposição ao odor do meu sovaco esquerdo? Zunzum fez ela. Que ousadia! Rapidamente a afugentei com a mão e entornei com o cotovelo o café pingado em cima da mesa de plástico, repleta de inscrições ilegíveis feitas com fogo e objectos afiados. O céu estava a ficar negro e uma leve brisa provocava ondulações na superfície do café pingado. Vesti o fato de mergulho e fui explorar as profundezas do mar turvo que acabara de entornar. É bom andar prevenido com o equipamento de mergulho, pensei, enquanto mergulhava nas profundezas e me recompunha do fracassado efeito repelente que segrego do sovaco esquerdo. A visibilidade era quase nula e estava muito quente. De repente, senti o meu corpo rodopiar sem ter qualquer direcção que conseguisse tomar.
Quatrocentas e noventa e sete voltas sobre mim próprio e aquilo parou… Feliz o momento em que entornei o café acidentalmente e me atirei sem hesitações ao mar de café pingado! Com todas estas piruetas em água quente e turva, cheguei à conclusão que talvez o meu sovaco direito segregue o repelente que preciso para a mosca de asas azuis. Misturo ambos os sovacos, unto o corpo todo e, com sorte, tenho repelente para todas as espécies de insectos com as quais me cruzei até hoje. Voltei apressadamente à superfície, despi o fato, extraí as borras de café do nariz com a colher invertida e sentei-me de novo no meu lugar. O sol já rompia as duas nuvens que se afastavam no céu: uma em forma de isqueiro e a outra em forma de canivete.

Assim que voltei a pousar a chávena no pires, o empregado chegou com o pano amarelo. Levantou a loiça, passou-o sobre a mesa e levou o mar de café pingado com ele. Aproveitei para pedir outro café pingado, desta vez morno, e ele abanou a cabeça. Mal se começou a virar, a mosca de asas azuis pousou na sua testa. Tirou o sapato esquerdo com cuidado, a meia, ergueu o pé até à cintura e passou os dedos da mão direita entre os dedos do pé enquanto equilibrava com a mão esquerda o tabuleiro. Passou a ponta dos dedos da mão pela respectiva palma e cobriu a mosca com a mão em concha contra a testa. Manteve-a encurralada durante aproximadamente cinco segundos, ouviu-se o último dos zunzuns e quando a libertou caiu em espiral no chão tosco de calçada.

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